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O ritmo da crise ecológica é o maior de sempre

Está em curso uma crise ecológica para cujas consequências o país e o mundo não estão preparados. Este foi o tema de mais uma Climate Change Talk, com Luísa Schmidt e Nuno Oliveira, membros do Conselho Consultivo do Impact Center for Climate Change da Fidelidade

A crise climática e a crise da biodiversidade estão intimamente ligadas. A temperatura sobe, a biodiversidade reduz-se e os ecossistemas transformam-se. Sabemos da História do planeta que a natureza recuperou de outras crises. A questão é saber se a Humanidade vai recuperar desta crise. Para o ecólogo Nuno Oliveira e para a socióloga Luísa Schmidt, as grandes decisões económicas, sociais e de ordenamento do território têm de estar muito mais baseadas num esforço de adaptação à mudança climática e de conservação da natureza. Neste contexto, talvez novas gerações mais conscientes possam impulsionar a ação.

Esta é a sexta extinção

Para Nuno Oliveira, ecólogo e CEO da start-up Natural Business Intelligence (NBI), conhecido pelo seu trabalho na estratégia e gestão de ecossistemas e biodiversidade, os sinais são claros: “Vivemos num contexto em que, em poucos anos – 1970 não foi assim há tantos anos –, conseguimos aumentar a temperatura média global quase em um grau e meio e conseguimos fazer com que quase 70% da biodiversidade de animais vertebrados desaparecesse do cimo do Planeta Terra.”

As provas estão à vista de todos. “Costuma-se dizer que é preciso que os deuses mandem um sinal para tomarmos atenção, mas neste caso os sinais estão todos aqui.” E a humanidade é o elo mais fraco nesta equação. “A natureza é a mestre da adaptação. Para a natureza em si esta é apenas a sexta extinção. Já teve cinco ‘reboots’, alguns dos quais bem violentos, e voltou sempre a surgir”, nota.

“Quem está realmente mal é o Sapiens. O ser humano está a pôr-se numa situação crítica, o que não deixa de ser estranho, depois de tanta evolução cultural e tecnológica.” Ainda mais se considerarmos que, “atualmente, já nem existe debate sobre se estamos perante uma grave crise ecológica. Não estamos é a dar importância à verdadeira questão, que é o ritmo a que esta crise está a acontecer, que é muito superior a qualquer ritmo alguma vez conhecido na natureza”, afirma.

O ritmo da crise ecológica é o maior de sempre

Nuno Oliveira, CEO da Natural Business Intelligence

Uma nova economia

Para o ecólogo, se nos quisermos adaptar com sucesso a esta transformação será necessário “mudar hábitos e mudar a nossa perspetiva sobre a economia e sobre o que é progresso”. Segundo Nuno Oliveira, isso passa por “desenvolver uma economia natural, em que o clima e a natureza estarão no centro das decisões económicas”. O que envolve “dar sentido a investir em restaurar, em recuperar e em trazer de volta capital natural, para salvaguardar o capital humano”. Ou seja, “construir um modelo de prosperidade que salvaguarde o destino da humanidade”, conclui.

Sobre Portugal, quer Nuno Oliveira quer Luísa Schmidt, socióloga e investigadora coordenadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, concordam que o impacto da crise ecológica será muito sério. Nuno Oliveira observa que 25% do território natural de Portugal são áreas protegidas, “que irão enfrentar estas duas crises: a crise ecológica, da perda de biodiversidade e dos serviços que a natureza dá em termos de regulação climática, da água e dos nutrientes para a produção de alimentos. E o risco das alterações climáticas em termos de aumento da temperatura e dos eventos extremos”.

O país “vive inclinado”

Para a socióloga Luísa Schmidt, o obstáculo principal a qualquer esforço de adaptação a estas crises gémeas é o desordenamento e o desequilíbrio no território. “Hoje temos 80% da população a viver a menos de 50 quilómetros da costa e 54% a viver a 10 quilómetros da costa. O país vive inclinado”, afirma. A socióloga avisa que os perigos são claros: “Todos os estudos indicam que a subida do nível médio no mar, articulado com a erosão, que é também um problema muito grave, vai ter um impacto direto em zonas onde vive muita gente”. E no entanto, observa, “enquanto em algumas zonas se começa a fazer um recuo planeado da linha de costa, noutras continuamos a deixar construir em cima das falésias”.

O ritmo da crise ecológica é o maior de sempre

Luisa Schmidt

Na sua opinião, urge a tomada de decisões políticas: “Devemos criar uma figura de emergência climática na zona costeira para impedir a construção em função de direitos adquiridos dos anos 1980, porque, entretanto, a ciência evoluiu e mostrou que se está a ter direitos adquiridos em zonas de risco.” “A gestão do impacto das crises ecológica e climática requer tempo e políticas preventivas”, alerta. A prevenção, afirma, “é uma palavra-chave e a adaptação também. Quanto menos Portugal investir nas políticas de adaptação, mais irá pagar os estragos que os eventos extremos vão trazer.”

Esperança na juventude

Luísa Schmidt conta com a pressão das novas gerações para que haja ação política: “As gerações mais novas têm de começar a ser ouvidas e a ser envolvidas naquilo que são decisões que vão ter muita importância para a sua vida futura”.

Estas gerações “são as que sofrem mais daquilo que hoje se chama a ansiedade climática. Trata-se de uma geração que é muito pouco consultada e muito pouco ouvida”. O que não é natural, porque os estudos mostram que “há um grande empenho nas causas ambientais por parte dos jovens na escola secundária, na escola básica e na universidade”.

Depois é preciso uma legislação que seja aplicável, observou. “Nós temos uma Lei do Clima aprovada em dezembro de 2021 e que ainda não passou à prática. Mas é uma lei muito interessante e que tem este artigo, por exemplo, dedicado às formas de participação. Se 30 cidadãos se organizarem e quiserem questionar medidas políticas que sejam tomadas no país em termos de alterações climáticas, podem fazê-lo e ir à Assembleia”. Só falta mesmo aplicar a lei. Fica a esperança na juventude.